Colamos de Indymedia Portugal esta analise assindada pola Organização Anarquista Terra e Liberdade do Brasil:
A insatisfação popular e as atuais revoltas
Comparando com o cenário do fim da ditadura militar e da década de 90, podemos dizer, ao analisar os movimentos sociais hoje, que ainda estamos nos recuperando do efeito PT/PCdoB e sua gerência do Estado. Com a vitória de Lula em 2002, vimos a nível nacional o que o reformismo pode despertar e como pode fragilizar as lutas populares e tornar movimentos sociais em braços do Estado e do capital (Não, ao falarmos das transformações no programa político do PT, não estamos falando de “traição” ao princípio do partido, mas de coerência com o seu projeto principal que era vencer eleições e gerir o Estado. Para isso eles perceberam que era preciso não apenas atrelar e sufocar os movimentos sociais, como fazer alianças com a direita e a elite do país). Encarando uma crise - que para muitos foi uma descoberta -, tendo que conviver ainda com a linha política de um partido como o PSOL que busca reviver o fracasso do reformismo petista, ou com o legalismo burocrático de um PSTU, o movimento social tem mostrado que tem força pra reagir e comandar a vida. Somente este ano, no Rio de Janeiro, bem antes do canto “o Brasil acordou”, ocorreram diversas lutas e mobilizações importantes como a da Aldeia Maracanã, a resistência popular em Manguinhos, a luta dos moradores do Morro da Providência, do Horto, da Favela Bandeira I, de Vila Autódromo, do Morro da Indiana, as atividades e passeatas dos moradores do Borel lembrando (para enfrentar e não esquecer) a dolorosa chacina de 2003, as rebeliões no Morro do Alemão, no São Carlos, na Coroa, contra a violência cometida pela UPP, o Encontro e criação da Rede de Comunidades Impactadas, do grupo “Favela não se cala”, os atos contra a homofobia, o machismo e o racismo, contra a privatização do Maracanã, contra o fechamento de escolas, entre tantos e tantos outros.
Impulsionadas pela luta vitoriosa em Porto Alegre – que conseguiu reduzir a tarifa dos transportes – e pela incrível mobilização puxada pelo MPL em São Paulo, todas estas lutas se confluíram e mostraram a sua cara nas gigantescas passeatas em torno da redução das passagens – as maiores desde as “diretas já” -, mas que na verdade mostram e expressam muito mais do que a descontentamento com o transporte. Este grito tornou-se uma voz poderosa de uma multidão – a maior parte das manifestações - que estava engasgada, que não suporta mais o nível de opressão e violência sofrida. Saques, destruições de bancos, lojas, instituições, junto a mobilizações que chegaram, apenas no Rio de Janeiro, a mais de 200 mil pessoas no dia 17 de Junho e a mais de 1 milhão no dia 20, mostram um descontentamento e uma raiva que não podem ser simplesmente reduzidas a um desejo de violência ou a uma apropriação nacionalista-fascista da direita.
Retornam, agora, grandes protestos e gritos que lembram, em alguma medida, as primeiras décadas do século XX quando o povo levantou-se contra a carestia da vida. Os trabalhadores, daquela época, se revoltavam contra as suas péssimas condições de trabalho (isso quando o tinham), suas péssimas condições de moradia e contra o alto custo de vida. Os trabalhadores não aguentavam mais sustentar o luxo da burguesia enquanto viviam na miséria.
Uma importante diferença, no entanto, é que neste período os trabalhadores estavam organizados em sindicatos fortes e livres, em associações por bairros e tinham como princípio de ação os lemas libertários da ação direta, da autogestão, do poder popular, do anti-capitalismo. Hoje, infelizmente, vemos o povo ir para as ruas, rebelar-se, mas sem organização e sem orientação revolucionária, o que altera
significantemente o quadro em que estamos e as nossas possibilidades de ação.
A disputa com a direita: luta de classes contra o fascismo
Tocadas pela esquerda em todo o país, as mobilizações pela redução da passagem só tornaram-se mobilizações de massas após os confrontos do povo com a polícia. Não podemos esquecer que foi o combate corajoso com o Estado que levantou e expandiu as lutas! No Rio de Janeiro, por exemplo, a primeira manifestação contava com cerca de 100 pessoas e na terceira manifestação, quando a mídia ainda criminalizava totalmente o movimento, já haviam 10 mil pessoas nas ruas. No segundo ato, houveram mais de 40 detidos e uma repressão brutal da polícia que correu todo o centro da cidade atrás dos manifestantes, prendendo e espancando qualquer pessoa que encontrasse pela frente. A virada da mídia e a tentativa de apropriação das manifestações pela direita, portanto, só se deram bem mais tarde, quando o povo já estava na rua e quando ela percebeu que era mais proveitoso disputar este movimento do que negá-lo integralmente.
Esta virada dos monopólios de comunicação foi e está sendo crucial para o destino das lutas. Com uma esquerda enfraquecida por anos de reformismo, uma aversão do povo às formas partidárias associadas ao regime político eleitoral, mas também com uma incapacidade dos setores revolucionários de direcionarem esta revolta num sentido libertário e de criação do poder popular, as ruas pegam fogo, tornam-se barricadas, chamas, mas não sinalizam para qualquer perspectiva imediata de transformação radical da sociedade. Sem uma perspectiva revolucionária, sem um movimento popular forte a nível nacional, sem uma organização revolucionária para impulsionar estas lutas, vemos se espalhar nas manifestações diversos discursos conservadores, ideologias dominantes, preconceitos, bandeiras vazias manipuladas pela imprensa – como a luta contra a orrupção – e uma onda fascista-nacionalista contra os partidos e organizações de esquerda.
É abominável e terrível a agressão aos militantes dos movimentos sociais e dos partidos de esquerda. Por isso, precisamos organizar uma grande frente anti-fascista para unir a esquerda contra estes setores da direita que se infiltraram nos atos e que tentam tomá-lo. A presença desta onda conservadora não define, no entanto, estas lutas como conservadoras, de direita, golpistas. As manifestações estão em disputa e a maior parte dos gritos nas manifestações continua sendo reivindicações de esquerda: direito a saúde, educação, “Fora Feliciano”, “Fora Cabral”, “Pelo fim da PM”, “Não haverá copa”, etc.
Grande parte dos que radicalizam na frente de batalha são jovens negros das favelas e periferias, e em cada passeata eles se organizam, descem os morros, para protestar e rebelar-se com uma força que aterroriza a classe média. É interessante notar, também, como a grande mídia, o senso comum e os “especialistas” vem criminalizando essas ações mais radicalizadas. Quando revoltas de imigrantes e jovens europeus em Londres (2011) e na França (2005) tomam as cidades com saques, incêndios e confrontos com a policia, elas são taxadas como revoltas populares, já no Brasil são nomeadas como vandalismo, sem nenhuma análise crítica, sociológica ou histórica de tal fato. A grande mídia, parte da esquerda e a academia se calam em uma espécie de pacto de silencio que acaba por legitimar ações repressivas da força policial. No “vácuo” de uma voz dissonante, fica o senso comum e a Rede Globo e vence o discurso do pacifismo e da separação dos militantes pacatos, ordeiros e bem comportados de classe média dos “marginais e arruaceiros”, negros e pobres. Outro ponto fundamental e extremamente importante é o ataque generalizado e em todo pais aos centros de poder.
Todas as revoltas e revoluções canalizaram suas energias nesses ataques (como a tentativa de entrar na ALERJ e na Prefeitura do Rio), eles revelam um caminho correto que vem sendo apontado por esses grupos, que souberam identificar os órgãos que materializam a opressão e exploração. Conscientes ou parcialmente conscientes de sua força, esse fenômeno nos demonstra uma insatisfação com as instituições do Estado, que são um terreno propicio para a construção do poder popular.
Outro aspecto importante que este contexto promoveu foi politização da vida, do cotidiano. As pessoas que “não queriam discutir política” agora conversam sobre as manifestações, as propostas, sobre os discursos do governo, sobre o que fazer, fazem reuniões. Desse modo, precisamos tomar cuidado para não universalizar o fascismo e desconsiderar o fato muito importante de milhares de trabalhadores estarem indo para as ruas - ainda que seja com a blusa do Brasil - lutando pelos direitos à saúde, educação, moradia e transporte. É duro demais ver nossos companheiros espancados, perseguidos, mas não podemos abandonar o que nós mesmos construímos e perder o contato com estes milhares de trabalhadores que saíram do campo do "odeio a política" e estão discutindo em todos os espaços os destinos do país e da vida. Em vez de deixar tudo para a mídia e para os nazi-fascistas, precisamos criar uma frente anti-fascista, trazer os trabalhadores para as plenárias, dar espaço para as comunidades e organizações de base na mesa das assembleias, organizar assembleias de bairro, nos organizar para o enfrentamento e para a defesa. Não podemos simplesmente negar todos os aspectos positivos destes levantes que começaram conosco e já conquistaram algumas vitórias como o cancelamento do aumento da passagem em diversas cidades e, sobretudo, a experiência de levar o povo pra rua lembrando que ele tem poder e colocando medo em quem roubou dele seus meios e sua vida. Não podemos abandonar as ruas agora. Temos que tentar organizar estas revoltas e dar um direcionamento radical e anti-capitalista. Contra o fascismo, contra o capitalismo, somente a luta!
Alguns ensinamentos dos últimos atos: toda vitória é popular e radical Os combates de rua que aconteceram todo este mês têm apontado para uma perspectiva diferente, sendo marcadas pela ação direta e pela radicalização. Infelizmente, sendo oprimidxs e exploradxs todos os dias por um Estado extremamente violento e por monopólios do capital sedentos para arrancar da nossa carne o máximo possível de lucro, não alcançamos vitórias que não passem pelo confronto violento com estes e pela conseqüente criminalização feita por sua mídia. Todo o discurso feito pela esquerda “bem-comportada” que se dita pela polícia, desse modo, deve ser enfrentado, pois não há luta vitoriosa que não passe pela mobilização popular e sua radicalidade. As lutas em São Paulo, em BH, em Brasília, em Porto Alegre, em Belém, em Recife, aqui no Rio, têm mostrado que o modelo desta esquerda que não incomoda – a forma Candelária-Cinelândia/ Cinelândia-Alerj – não dá repercussão, não ameaça as classes dominantes e só agrada a mídia e o discurso burguês da “sociedade democrática” (“viu como vivemos numa democracia? Eles fazem passeata a vontade”). Não podemos aceitar que além da mídia e das classes dominantes estes setores, que tentam conter a revolta da multidão nos atos e monopolizam com violência todos os carros de som com suas cantigas de auditório, contribuam para a nossa criminalização como “vândalos” e “marginais” ao trazermos nosso ódio e indignação diante da situação atual para as ruas. Se não pararmos a cidade, se não incomodarmos o trânsito, se não reagirmos à violência da polícia, se não apostarmos na ação direta e na democracia popular, nunca conseguiremos nossos direitos.
As grandes vitórias deste momento são mostrar que somente a organização e a luta do povo através de seus próprios meios são capazes de mudar a nossa realidade. Enquanto a esquerda eleitoral se organiza para eleger seus candidatos no Estado, o povo foi para as ruas, fez assembleias e começou a arrancar aquilo que nenhum parlamentar de esquerda conseguiu. Criando esta cultura da organização e da mobilização, podemos dar saltos bem maiores e realizar uma revolução social profunda, libertária e radical. Esta deve ser a nossa luta.
Organização Anarquista Terra e Liberdade (OATL)
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