“A única coisa necessária para o triunfo do mal é que os homens bons nada fagam” Edmund Burke
Em 9 de março de 1933, os paramilitares camisas-marrons da SA nazista lançaram umha ofensiva. “Em diversas partes de Berlim, um grande número de pessoas, a maioria das quais aparentemente judias, foi atacado abertamente nas ruas e golpeado. Algumas foram feridas gravemente. A polícia pode apenas recolhê-las e levá-las ao hospital”, relatou o jornal londrino The Guardian. “Os judeus foram espancados pelos camisas-marrons até sangrar nas faces e cabeças”, prosseguiu o jornal. “Diante de meus olhos, paramilitares, babando como bestas histéricas, perseguiram um homem em plena luz do dia e o chicoteavam”, escreveu Walter Gyssling, no jornal.
Sei que você ultrajou-se antes mesmo de chegar ao final do parágrafo anterior. “Como ele ousa comparar incidentes isolados em Israel com a Alemanha nazista?”, você está pensando. “Isso é umha banalizaçom ofensiva do Holocausto”.
É claro que você tem razom. Minha intençom nom é traçar um paralelo. Meus pais perderam, ambos, suas famílias, durante a II Guerra Mundial. Nom preciso ser convencido de que o Holocausto é um crime tam único que figura de modo destacado, mesmo nos anais de outros genocídios premeditados.
Mas sou um judeu e há cenas no Holocausto que estám gravadas indelevelmente em minha mente, ainda que nom estivesse vivo à época. Quando assisti vídeos e vi imagens de gangues de judeus racistas de direita marchando pelas ruas de Jerusalém, cantando “Morte aos Árabes”, caçando árabes aleatoriamente, identificando-os por sua aparência ou sotaque, perseguindo-os em plena luz do dia, “babando como bestas histéricas” e golpeando-os antes que a polícia pudesse chegar, a associaçom histórica foi automática. Foi o que primeiro saltou à mente. Deveria ser, penso, a primeira coisa a saltar à mente de qualquer judeu.
Nom é preciso dizer que Israel de 2014 nom é “O Jardim das Bestas”, expressom que Erik Larson usou para descrever, em seu livro, a Alemanha de 1933. O governo de Telaviv nom é tolerante com o vigilantismo ou os gângsters, como foram os nazistas por algum tempo, antes que os alemáns começassem a se queixar de desordem nas ruas e dos danos à reputaçom internacional de Berlim. Nom tenho duvidas de que a polícia fará todo o possível para prender os assassinos do garoto palestino cujo corpo calcinado foi encontrado numha floresta de Jerusalém. Até rezo para descobrirem que o assassinato nom foi um crime de ódio(*) .
Mas nom nos enganemos. As gangues de valentons judeus promovendo caçadas humanas nom som umha aberraçom. Nom foi um acesso incontrolável e único de raiva, que se seguiu à descoberta dos corpos de três estudantes sequestrados. Seu ódio inflamado nom existe num vácuo. É umha presença marcante, que cresce a cada dia, engolfando sectores cada vez mais amplos da sociedade israelense, alimentada num ambiente de ressentimento, isolamento e auto-vitimizaçom, impulsionado por políticos e “especialistas” – alguns cínicos, outros sinceros – que se cansaram da democracia e suas brechas e que anseiam por ver a imagem de Israel associada a um único Estado, umha única naçom e, em algum ponto desta espiral descendente, um único Líder.
Em apenas 24 horas, umha página do Facebook convocando “revanche” pelos assassinatos dos três garotos sequestrados recebeu dezenas de milhares de “curtidas”, e encheu-se de centenas de apelos explícitos para matar árabes, onde quer que estejam. Outra página, pedindo a execuçom de “extremistas de esquerda”, alcançou quase dez mil “likes”, em dois dias. Além disso, inúmeros textos na web e nas mídias sociais estám inundados de comentários dos leitores vomitando o pior tipo de bile racista e pedindo morte, destruiçom e genocídio.
Estes sentimentos foram ecoados nos últimos dias, ainda que em termos um pouco mais velados, por membros do Knesset [o Parlamento israelense], que citam versos da Torah sobre o Deus da Vingança e sua ordem de extermínio dos amalequitas. David Rubin, que descreve a si mesmo como ex-prefeito de Shiloh, foi mais explícito: em um artigo publicado no Israel National News, ele escreveu: “Um inimigo é um inimigo e a única maneira de vencer esta guerra é destruir o inimigo, sem levar excessivamente em conta quem é soldado e quem é civil. Nós, judeus, atiraremos primeiro nossas bombas sobre alvos militares, mas nom há, em absoluto, necessidade de nos sentirmos culpados por arruinarmos as vidas, matarmos ou ferirmos civis inimigos que som, quase sempre, apoiadores do Fatah ou do Hamas”.
Pairando sobre tudo isso estám o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu e seu governo, que insistem em descrever o conflicto com os palestinos em tons rudes de “preto e branco”, “bem contra o mal”; que descrevem os adversários de Israel como incorrigíveis e irredimíveis; que nunca demonstraram o mínimo sinal de empatia ou compreensom, diante das reivindicaçons de um povo que vive sob ocupaçom israelense por meio século; que fazem pronunciamentos voltados a desumanizar os palestinos aos olhos do público israelense; que perpetuam o sentimento público de isolamento e injustiça; e que, portanto, estám abrindo caminho para ondas de ódio homicida que começaram a emergir.
Algumhas pessoas ensaiarám um paralelo entre a terrível violência de direita que varreu Israel depois dos Acordos de Oslo e a maré crescente de racismo. Em ambas, está implicado o premiê Netanyahu. De seus discursos virulentos na Praça Sion contra o governo da época ao assassinato de Yitzhak Rabin; e de sua retórica antipalestina áspera à explosom horrível de racismo hoje.
Mas é umha resposta fácil demais. Nom basta culpar Netanyahu, sem questionar o resto de nós, Judeus em Israel ou na Diáspora, os que fecham os olhos e os que desviam o olhar, os que retratam os palestinos como monstros desumanos e os que veem qualquer autocrítica como um acto de traiçom judaica.
A comparaçom certamente é válida: a máxima de Edmund Burke – “Para o triunfo [do mal], basta que os homens bons nada fagam” – era correcta em Berlim no início dos anos 1930 e permanece verdadeira em Israel. Se nada for feito para reverter a maré, o mal certamente triunfará – e nom será preciso esperar muito.
(*) Nota da Traduçom.- Em 6/7, a polícia israelense prendeu, de fato, pessoas – judeus ortodoxos de extrema-direita – que confessaram a autoria do crime, evidentemente motivado por ódio e racismo.
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