Colamos informaçom de ReporterBrasil assinada por Daniel Santini:
A tentativa da Zara de anular na Justiça os autos de infraçom da fiscalizaçom que resultou na libertaçom de 15 trabalhadores em condiçons análogas às de escravos em 2011 fracassou na primeira instância. O juiz negou na última sexta-feira, dia 11, recurso da empresa nesse sentido e cassou a liminar que impedia a inserçom no cadastro de empregadores flagrados mantido pelo Ministério do Trabalho e Emprego e pela Secretaria de Direitos Humanos, a chamada “lista suja” da escravitude.
Em sua decisom (lêr acá a sentença na íntegra), o magistrado afirma que, como defendido pela Advocacia-Geral da Uniom, a empresa tem sim responsabilidade directa pela situaçom constatada, critica a tentativa da Zara de caracterizar os costureiros resgatados como empregados da empresa intermediária Aha e classifica a maneira como a terceirizaçom dos trabalhadores foi registrada como “fraude escancarada”.
“A decisom é bem fundamentada e certamente configurará um divisor de águas na discussom sobre a responsabilidade jurídica por condiçons de trabalho em cadeias productivas”, afirma Renato Bignami, coordenador do programa de Erradicaçom do Trabalho Escravo da Superintendência Regional do Trabalho, que ressaltou a importância de o relatório de fiscalizaçom reunir documentos e provas detalhando a situaçom. “O juiz leva em consideraçom todos os argumentos apontados pelos auditores na sua decisom”, ressalta.
Da Espanha, Raúl Estradera, porta-voz da Zara, afirmou à Repórter Brasil que a empresa vai recorrer da sentença. “É mais um passo em um processo judicial que vai ser longo. Com todo respeito à decisom, entendemos que nom foram considerados nossos argumentos e que nom tivemos oportunidade de nos defender de forma adequada”, afirma, insistindo que a responsabilidade é da empresa intermediária. “Foi essa empresa que realmente cometeu as irregularidades, e obteve o lucro com isso. Eles que deveriam estar sendo punidos. Nós temos tomado acçons de responsabilidade social, inclusive colaborando com entidades públicas e do terceiro sector em um esforço para melhorar as condiçons de trabalho nom só nas nossas cadeias produtivas, mas no Brasil em geral”.
Subordinaçom camuflada
Apesar dos argumentos e da tentativa de transferir a culpa para a intermediária, para a Justiça do Trabalho nom restam dúvidas de que a responsabilidade é da Zara. A sentença aponta que a Aha foi contratada para minimizar custos e burlar a legislaçom trabalhista. “A fraude da intermediaçom é escancarada, pois, na verdade, houve prestaçom em favor da vindicante com pessoalidade, nom eventualidade, remuneraçom e subordinaçom econômica”, diz a decisom, que ressalta que “a subordinaçom, embora camuflada sob a aparência de terceirizaçom, era directa aos desígnios da comerciante das confecçons”. O texto destaca ainda “que a fiscalizaçom verificou, outrossim, que as oficinas onde foram encontrados trabalhadores em condiçom análoga à de escravitude labutavam exclusivamente na fabricaçom de productos da Zara, atendendo a critérios e especificaçons apresentados pela empresa, recebendo seu escasso salário de repasse oriundo, também exclusivamente, ou quase exclusivamente, da Zara”.
O argumento de que a Zara nom tinha conhecimento da situaçom a que os trabalhadores estavam submetidos também é refutado na decisom. “A Aha nom tinha porte para servir de grande fornecedora, e disto ela [a Zara] estava perfeitamente ciente, pois, realizando auditorias sistemáticas, sabia do extenso downsizing realizado, com o número de costureiras da Aha caindo mais de 80%, ao tempo em que a produçom destinada à Zara crescia”, diz a sentença. “A Zara Brasil Ltda. é umha das maiores corporaçons do globo em seu ramo de negócio, custando crer, reitere-se, que tivesse controles tam frouxos da conducta de seus fornecedores, mostrando-se muito mais palatável a versom defendida pela fiscalizaçom, de que, na realidade, controlava-os ao ponto de deter a posiçom de empregadora”.
Na sentença, o juiz também critica o fato de a empresa alegar, ao tentar negar a responsabilidade por trabalho escravo, que tem contribuído com o poder público e com acçons sociais, chamando a atençom para o fato de o Termo de Ajustamento de Conducta firmado junto com o Ministério Público do Trabalho ter sido assinado meses após o resgate. “A celebraçom de TAC com o Ministério Público do Trabalho, embora louvável, foi posterior à autuaçom, nom implicando, logicamente, nengumha influência no resultado da lide, por nom convalidar situaçom pretérita”, diz o texto, destacando que o investimento em acçons sociais estava directamente relacionado à preocupaçom em recuperaçom da marca. “Chega a ser insólito, de outra banda, o longo discurso derredor de conducta da entidade capitalista, igualmente posterior à lavratura dos Autos e igualmente desinfluente para o deslinde desta contenda, no sentido de práctica de acçons de certa repercussom social, cujo objetivo primordial foi, sem dúvida, a recuperaçom da imagem da marca, imensamente desgastada pela repercussom dos resultados da fiscalizaçom na mídia”.
“Lista suja”
Na sentença, o juiz reforça ainda a importância do cadastro de empregadores flagrados, a “lista suja”, e reafirma sua legitimidade. Ele escreve: “Diversos dispositivos legais fornecem o alicerce para a edicçom da Portaria nº 2, de 12 de maio de 2011 [que rege o cadastro], merecendo destaque a própria Constituiçom da República, que erige em princípios fundamentais o valor social do trabalho e a dignidade da pessoa humana, e consagra, desde seu preâmbulo, o direito à liberdade, e todos esses princípios estariam sendo vilipendiados se acatada a tese da postulante”.
No recurso que foi rejeitado na sexta-feira, a Zara questionava a própria existência da “lista suja”, posicionamento extremo que levou a empresa a ser suspensa do acordo empresarial contra a escravitude, o Pacto Nacional pela Erradicaçom do Trabalho Escravo.
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A decisom judicial é relativa ao processo nº 0001662-91.2012.502.0003 e foi proferida em 11 de abril. Leia a sentença na íntegra.
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