Nos tempos de criança, eu achava a profissão de médico uma farsa. Gozando de boa saúde, poucas vezes frequentei os consultórios. Mas nessas ocasiões, duvidava da medicina. Ao entrar para a consulta, analisava aquele homem de branco e não lhe botava muita fé. Ele parecia agir com certa displicência, olhando-me de baixo para cima e dizendo apenas: “Bota a língua pra fora”.
E era só. Daí preenchia um papel e entregava ao meu pai. Sempre me intrigou o fato de um homem de ciência, cheio de estudo, formado em medicina, enfim, utilizar-se de mecanismo tão rústico para ver não sei o quê e fazer um diagnóstico. Eu pensava: o que é que ele tanto olha na minha goela? Mas o pior é que, às vezes, ele não ficava só de olhar: pegava aquele palito de picolé para me cutucar a garganta (quase eu vomitava).
Agora me pego relembrando... Puxa vida, já na infância eu não compreendia os códigos sociais. Dar a língua era um ato desrespeitoso na sociedade. Porém, para o médico, era permitido. Se eu botava a língua para alguém (que não fosse o médico), vinha-me uma repreensão dos pais: aquilo era feio, eu precisava ter boas maneiras. Na minha cabeça de menino, não dava para entender.
No entanto, refletindo muito sobre o assunto, fui aprendendo a separar as coisas. Mostrar a língua dependia do contexto. Ora podia, ora não. Por desaforo, arvorei-me a defender o ato, em qualquer situação. Afinal, uma criança tinha o direito de mostrar a língua. Contudo, fui logo censurado pelos adultos. Foi quando compreendi que mostrar a língua era mais do que uma simples criancice: era um ato de rebeldia.
Um tempinho depois, empreendendo estudos mais complexos, vi Einstein naquela foto histórica, dando a língua. O cara tornou-se um ídolo para mim. Não pela Física, da qual eu quase nada entendia. Mas Albert Einstein, o inventor da tal “teoria da relatividade”, um homem tão celebrado em inteligência, que criou algo complicadíssimo de se entender, dava a língua!
Foi a gota d’água. Ou melhor, era a comprovação que eu tanto perseguia, válida até hoje: mostrar a língua é uma forma de se contrapor às regras sociais vigentes, é um anarquismo. E eu era uma criança avançada para o meu tempo. Não porque simplesmente mostrava a língua, mas por compreender a filosofia do ato. Tentei dissertar sobre isso, explicar a meus contemporâneos... Inutilmente. Diziam-me abestado. E me davam a língua: hummm! Faltava-lhes a consciência dessa ação rebelde.http://www.blogger.com/img/blank.gif
Depois de adulto, passei a dar razão ao pediatra, pois aprendi que a língua revela doenças. Aprendi, também, que a língua tem outras funções (e que funções!). A medicina chinesa coloca na língua os meridianos de alguns órgãos do nosso corpo. O coração, por exemplo, está na ponta da língua. Isso dá um belo sentido ao ato de beijar. Quando se beija, chega-se ao coração. E pela língua descobre-se o amor.
Colado de chocorosqui.blogspot.com
22 jun 2011
O anarquismo pela língua
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bom, dada a última invasão de textos em castelhano nesta página, este que subscrive opta por publicar textos na outra lingua colindante com Galiza, ou seja o galego-português, na sua variante portuguesa.
ResponderEliminaredu que gran aporte, parabéns pola túa análise...
ResponderEliminarÉ certo que nesta última semana se colgaron tres textos en castelán, pero se facemos unha comparativa con o resto dos textos podemos darnos conta de que non se tráta dunha invasión, bueno, dependendo o que entenda cada un por invasión...Tamén é certo que só se colgaron 2 videos sobre "the riot dog" e moitos dos compas o consideraron unha invasión especista. Incluso tal como estou escribindo agora moitos poderian considerar que son un sexista por usar o xénero masculino de forma xeral.
ResponderEliminarOs tres artigos en castelán que se colgaron neste blog eran estraídos, cando os calaboradores escribimos directamente, o 95% dos casos facemolo en galego. Repito entón que os tres artigos eran tirados doutras publicacións, un dun fanzine feito en castelán e os outros dous foron escritos en castelán directamente polos seus autores(miqel amorós, e pedro garcía olivo). Eu colguei 2 dos 3 artigos, quizáis debería haberme parado a traducilos no meu galego da xunta, mal aprendido gracias a persoaxes como mendez ferrin. De todolos xeitos como non hai unha "hardline" con o tema do idioma neste blog a xente non repara demasiado niso, e aqui cada quen escrebe no idioma que quere, polo menos iso é o que teño entendido por parte dos xestores do blog. Mola o artigo para abrir debate nesa dirección.
Saúde